Artigo: Audiências por Videoconferência na Justiça do Trabalho
- Página atualizada em 28/06/2023
Em artigo publicado em site especializado no Poder Judiciário, as juízas do trabalho do TRT/CE Camila Miranda de Moraes e Karla Yacy defendem uso de ferramentas tecnológicas para a manutenção da prestação jurisdicional durante pandemia do coronavírus. O texto, assinado em conjunto com o juiz do trabalho Fausto Gaia (TRT17), segue abaixo.
Audiências por Videoconferência na Justiça do Trabalho
O acesso à justiça é um dos direitos humanos fundamentais. A preocupação com o pleno acesso à justiça por intermédio da prestação jurisdicional célere e efetiva como uma das principais formas de tutelar os direitos fundamentais nas relações de trabalho ainda é grande no Brasil.
A permanente evolução e modificação das relações de trabalho e dos meios de produção no mundo é uma realidade. A cada dia nos deparamos com novas tecnologias, muitas delas impulsionadoras de novos negócios e formas de trabalho. Assim como a tecnologia impacta as relações de trabalho e os modos de produção, também produz reflexos no processo judicial e no Poder Judiciário.
Manuel Castells destaca que “a era da internet foi aclamada como o fim da geografia”1. Como a internet é uma tecnologia da comunicação e “Como a comunicação é a essência da atividade humana, todos os domínios da vida social estão sendo modificados pelos usos disseminados da Internet.”2
Não é diferente no Poder Judiciário brasileiro. A tecnologia proveniente dos novos meios informáticos (processo judicial em meio eletrônico, audiência por teleconferência, uso do aplicativo “WhatsApp” para negociar conciliações, realizar notificações, teletrabalho etc.) desempenha papel fundamental não apenas na ampliação do acesso à justiça mas também na implementação de medidas que possibilitem o funcionamento do Poder Judiciário e a manutenção da prestação jurisdicional mesmo em tempo de pandemia do coronavírus, já que esta impõe a vedação de expediente presencial no Poder Judiciário como forma de evitar a disseminação do contágio.
Esse é o cenário em que nos encontramos na atualidade e é evidente que a continuidade dos serviços somente é possível porque o processo judicial tramita em meio eletrônico, o que permite que a demanda seja ajuizada perante a Justiça do Trabalho de qualquer lugar do Brasil. Para juízes, servidores e advogados, o processo judicial em meio eletrônico significa quebra do paradigma de necessidade de presença física em determinado local, que os processos sempre estão acessíveis pelo computador e que seu campo de atuação não precisa ficar restrito ao âmbito de uma Vara do Trabalho ou cidade.
Embora a previsão de realização de audiências por videoconferência não seja uma novidade, foi a necessidade de manutenção do isolamento social para evitar a contaminação pelo coronavírus que tornou urgente a utilização dessa tecnologia específica para viabilizar a continuação de uma parcela importante dos processos que tramitam na Justiça do Trabalho.
Antes da pandemia de coronavírus já havia prática de atos processuais à distância, com uso de imagem e voz, a exemplo da oitiva de depoimentos de partes ou testemunhas que estavam em lugar distinto daquele onde havia sido ajuizada a demanda judicial. Há notícias de realização de oitivas pelo aplicativo “Whatsapp”, “Skype”, dentre outros.
Foi a necessidade de manter os serviços da área fim da Justiça do Trabalho em pleno funcionamento que levou a publicação de normas regulamentando a utilização das audiências telepresenciais ou por videoconferência.
Não faria sentido ter um processo judicial que se desligasse da forma física (autos de papel) e embarcasse na modernidade (um processo imaterial, acessível por meio da rede mundial de computadores e que se alinhasse com as avançadas tecnologias disponíveis no mundo) como é o processo judicial em meio eletrônico e não utilizar as ferramentas existentes e já previstas em lei para permitir a realização das audiências por videoconferência.
A realização de audiências por videoconferência é a melhor solução existente no momento para possibilitar uma continuidade mais ampla da prestação jurisdicional e a manutenção do isolamento social exigido em razão do perigo de contaminação pelo coronavírus.
Para demonstrar que a utilização de meios tecnológicos no processo judicial não é uma novidade ou extravagância, faremos um breve relato histórico em torno de algumas normas jurídicas que tratam do assunto.
Otávio Pinto e Silva3 aponta que a Lei 7.244 de 7 de novembro de 1984, que dispôs sobre a instituição dos então chamados juizados especiais de pequenas causas, previu utilização de tecnologia no §3º do artigo 14 que assim dispôs: “Os atos realizados em audiência de instrução e julgamento deverão ser gravados em fita magnética ou equivalente [...]”. Em ambos os casos, não se trata de utilização de meio eletrônico, mas sim do uso de algum tipo de tecnologia no processo e para prática de ato processual.
Observe-se que o artigo 1º da Lei 9.800 de 26 de maio de 1999 abriu a possibilidade de prática de atos processuais por meio de “[...] sistema de transmissão de dados e imagens tipo fac-símile ou outro similar [...]”. Portanto a lei não limitou a transmissão de dados e imagens à transmissão por fax, mas anteviu a possibilidade do surgimento de outras tecnologias que pudessem cumprir a mesma tarefa de maneira mais eficaz.
A Lei 10.259 de 12 de julho de 2001 previu que as Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais poderão reunir-se pela via eletrônica na hipótese dos juízes componentes da respectiva turma serem domiciliados em cidades diversas (§3º do artigo 14 da Lei 10.259 de 12 de julho de 2001).
Trata-se de dispositivo moderno até hoje, pois embora já haja exemplos de sessões de tribunais em que os advogados das partes manifestam-se oralmente por meio de videoconferência, a lei dos Juizados Especiais Federais prevê expressamente a reunião dos julgadores por meio eletrônico, o que privilegia o princípio constitucional da razoável duração do processo, dentre outros.
A Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006, tratou especificamente da informatização do processo judicial.
Como anotam José Carlos de Araújo Almeida Filho4 e Cláudio Mascarenhas Brandão5, a polêmica sobre a utilização de videoconferência para realização de interrogatório de réu preso e outros atos processuais no âmbito do processo penal cessou com a publicação da Lei 11.900 de 08 de janeiro de 2009.
Por meio dela, os artigos 185 e 222 do Código de Processo Penal foram alterados. O §2º do artigo 185 do Código de Processo Penal passou a permitir, como excepcionalidade, que de ofício ou por requerimento das partes, sempre por decisão fundamentada do juiz, o réu preso possa ser interrogado por videoconferência ou “outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real” – o que demonstra que a legislação abriu caminho para novas tecnologias que possam se desenvolver além da videoconferência.
A medida é excepcional porque a lei determina quais são as situações em que a videoconferência pode e deve ser utilizada nos quatro incisos do §2º do artigo 185 do Código de Processo Penal.6
Embora não mencionados por estes autores, são dignos de nota outras alterações promovidas também as disposições da Lei 11.900 de 08 de janeiro de 2009. Ao réu foi garantido o direito de acompanhar também por videoconferência os atos da audiência de instrução e julgamento previstos nos artigos 400,411 e 531 do Código de Processo Penal (§4º do artigo 185 do Código de Processo Penal). Se o interrogatório ocorrer por videoconferência é assegurado ao réu comunicar-se com o advogado que esteja no ato da videoconferência por via telefônica. Além disso, o defensor que está no presídio e o advogado que está na sala de videoconferência podem se comunicar por telefone (§5o do artigo 185 do Código de Processo Penal).
A previsão do §3º do artigo 222 do Código de Processo Penal é de que se a testemunha tiver domicílio fora da jurisdição em que deva ser ouvida, sua inquirição poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico em tempo real. Essa disposição é importante por diversas razões. Dentre elas, pode-se dizer que é importante porque : prestigia o princípio constitucional da duração razoável do processo; se preocupa com a economia processual; revela a tendência de extinção da remessa de cartas precatórias inquiritórias; demonstra o uso eficaz de meios tecnológicos para encurtar distâncias e fazer valer o princípio da eficiência.
Consideramos a Lei 11.900 de 08 de janeiro de 2009 uma legislação avançada, pois antecipou a utilização de registros de sons e imagens em tempo real (no caso, a videoconferência) para prática de ato processual (audiência) em razão das peculiaridades do direito e processo penal. Ainda hoje – aproximadamente dez anos após a publicação da Lei 11.900 de 08 de janeiro de 2009 - estão em desenvolvimento sistemas para gravação de sons e imagens em tempo real para utilização no sistema previsto pela Lei 11.419 de 19 de dezembro de 2006. Por isso o pioneirismo da Lei 11.900 de 08 de janeiro de 2009.
O Código de Processo Civil brasileiro (Lei 13105 de 16/03/2015) criou várias disposições sobre a utilização da videoconferência em processos judiciais a exemplo dos artigos 236,§3; 385,§3º;453,§1 e §2o;461,§2º e 937,§4º.
A videoconferência é uma ferramenta cada vez mais popular para evitar deslocamentos, cortar custos, facilitar e ampliar o acesso à justiça. Têm se tornado comuns as notícias sobre uso da videoconferência não só no âmbito criminal para salvaguardar a segurança de partes, juízes, servidores e advogados como também no âmbito cível e trabalhista para garantir o efetivo acesso à justiça quando qualquer das partes encontra-se distante do local de realização da audiência, dentro ou fora do Brasil.
A aparente novidade que parece causar burburinho é a utilização ampla da videoconferência para realização das audiências na Justiça do Trabalho, sejam elas audiências de conciliação ou mesmo de instrução (o que implica tomar os depoimentos pessoais das partes e ouvir as testemunhas), como forma de manter o isolamento social exigido para evitar contaminação pelo coronavírus e dar prosseguimento aos processos judiciais que necessitem da realização de audiências como proposto pelo Ato Conjunto CSJT GP VP e CGJT n.006 de 04/05/20203.
A realização de audiências por videoconferência possui vantagens e desvantagens. Como vantagens podemos apontar: manutenção do isolamento social necessário para evitar a propagação do coronavírus; possibilita o acesso à justiça; possibilita que qualquer pessoa com acesso à internet participe da audiência por videoconferência, o que alarga o espectro do acesso à justiça; prestigia, amplia e maximiza o princípio da oralidade, que é princípio específico do Direito Processual do Trabalho, já que a audiência por videoconferência pode ser reduzida a termo na ata de audiência ou mesmo gravada; torna ainda mais efetivo o princípio da desterritorialização criado pelo processo judicial eletrônico, pois não há necessidade de presença física em determinado local geográfico para qualquer pessoa (juízes, servidores, partes, advogados, testemunhas, peritos etc.) participar da audiência; amplia o princípio da imediatidade da prova pois qualquer magistrado de qualquer grau de jurisdição terá amplo contato com a prova oral coletada, já que a audiência por videoconferência é gravada.
No rol das desvantagens da realização das audiências por videoconferência podemos citar: necessidade de conexão com a internet; utilização de aparelho de telefone celular, tablet ou computador; problemas de conexão com a internet; insegurança demonstrada por juízes e advogados quanto ao aspecto da realização da audiência de instrução e a garantia de que partes e testemunhas não ouvirão os depoimentos umas das outras.
De fato, os problemas de ordem técnica e material (problemas de conexão com a internet, acesso das partes e testemunhas a dispositivos que permitam acesso à videoconferência como telefone celular e computador, por exemplo) dependem de situações particulares incontroláveis pelo Poder Judiciário. Entretanto, como contra-argumento, vale lembrar que em notícia publicada no sítio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), afirma-se que no ano de 2013 metade dos brasileiros teve acesso à internet e 130,8 milhões de pessoas na faixa etária de 10 anos ou mais de idade tinham telefone celular para uso pessoal. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2013 (PNAD) demonstrou que dos 32,2 milhões de domicílios do país que tinham microcomputador (49,5% do total de residências), 28 milhões tinham acesso à internet. Segundo a pesquisa, esse número representa 43,1% do total de domicílios em todo país.7
Os dados obtidos pela pesquisa elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística confirmam uma realidade vivida pela sociedade brasileira, na qual as pessoas utilizam cada vez mais a internet para realizar as mais diversificadas atividades: desde consultar o horóscopo, ler as notícias no jornal, ouvir músicas, assistir vídeos no YouTube, realizar transações bancárias, adquirir produtos, até realizar consultas ao andamento de processos judiciais seja por meio de sítios na internet seja por meio de aplicativos disponibilizados pelo Poder Judiciário.
Portanto, pode-se considerar desvinculada da realidade a afirmação de que as pessoas teriam menos acesso às audiências por videoconferência porque não tem acesso à internet.
Quanto à preocupação quanto à validade ou incolumidade da prova oral colhida por meio de audiência por videoconferência vale lembrar que da mesma forma que não adianta pensar o processo judicial em meio eletrônico como mera reprodução do processo de papel, não se deve pensar na audiência por videoconferência como mera repetição daquilo que se praticava nas audiências presenciais.
Novas soluções, novas práticas devem ser implementadas, com ou sem o uso da tecnologia, para viabilizar a prática do ato de colher provas orais na audiência por videoconferência com a necessária segurança. Para isso propomos a realização de compromisso diferenciado das partes e testemunhas visando assegurar que estejam livres da interferência de terceiros, seja de forma presencial ou por meio de utilização de aparelhos de transmissão de sons e imagens, além da criação de salas de videoconferência separadas de forma que fique assegurado que uma parte ou testemunha não ouvirá o depoimento da outra.
Importante lembrar que as partes podem celebrar negócio processual (artigo 190 do CPC), o que significa que elas próprias poderiam solicitar a realização de audiência por videoconferência ou convencionar sobre seus ônus e poderes, o que pode dizer respeito a requisitos específicos do depoimento de partes e testemunhas.
Em conclusão, a realização das audiências por videoconferência tem previsão legal desde 2015 com o advento do Código de Processo Civil e atende as necessidades de acesso à justiça e continuidade da prestação jurisdicional. A prudência, colaboração e a criatividade de juízes, advogados e demais atores processuais contribuirá para que atravessemos esse momento excepcional e que a utilização de meios tecnológicos no processo judicial continue a ser utilizada de forma ágil, segura e prática.
Camila Miranda de Moraes
Doutora em Direito do Trabalho – PUC/SP
Juíza do Trabalho Titular da 1ª Vara do Trabalho de Sobral/CE
camilamm@trt7.jus.br
Fausto Siqueira Gaia
Doutor em Direito do Trabalho – PUC/SP
Juiz do Trabalho Substituto no TRT 17
faustogaia@yahoo.com.br
Karla Yacy Carlos da Silva
Juíza do Trabalho Substituta no TRT 7
karlaycs@trt7.jus.br
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Notas
1 CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, edição digital setembro 2015, p. 172.
2 CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, edição digital setembro 2015, p. 224.
3 SILVA, Otavio Pinto e. Processo eletrônico trabalhista. São Paulo, LTr, 2013, p. 52.
4 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Processo eletrônico e teoria geral do processo eletrônico: a informatização judicial no Brasil. 5.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p.68.
5 BRANDÃO, Cláudio Mascarenhas. Processo eletrônico na Justiça do Trabalho. In: CHAVES, Luciano Athayde (Org.). Curso de processo do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 754.
6 “Artigo 185 - § 2o Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades: I - prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento; II - viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal; III - impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código; IV - responder à gravíssima questão de ordem pública”. BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 3 out. 1941. Disponível em: <https://goo.gl/j44Cxv>. Acesso em: 03 abr. 2018.
7 BRASIL. Ministério das Comunicações. IBGE: Metade dos brasileiros teve acesso à internet em 2013. Brasília, 19 set. 2014. Disponível em: <https://goo.gl/FZyWkU>. Acesso em: 06 abr. 2018.